A internet está prestes a fracassar
Estamos desprezando o potencial transformador da rede
por por Douglas Rushkoff
É inegável que a internet mudou as pessoas. Sem dúvida continua mudando. Só que de forma diferente. No início da web, quando a tecnologia era mais rudimentar e ainda havia uma certa aura de conhecimento envolvendo a então nova invenção, estar online significava o início de uma fascinante jornada de investigação — uma viagem quase interminável de links que conectavam informação. Mas a realidade mudou: agora as pessoas encontram tudo o que querem em poucos segundos. Deixamos de lado o estímulo da investigação instigante e passamos a nos contentar com simples e rápidas respostas, que ficam no meio do caminho entre a questão e a investigação.
Para mim, reside aí a real diferença entre aquela época e a atual: não que a internet fosse mudar as pessoas, mas ela poderia ser uma ferramenta para as pessoas mudarem o mundo. Não foi o que aconteceu. É claro que a internet ajudou a estimular discussões importantes. Porém a web de hoje está longe de ser um caminho alternativo para mudarmos o que está a nosso redor. Virou apenas uma nova janela para o mesmo mundo de sempre. Nela, continuamos a fazer as mesmas velhas compras e negócios, sem que isso nos dê o mínimo poder para promover transformações realmente fundamentais. Na verdade, nem temos tempo para pensar nisso. Tudo é instantâneo, voltado preferencialmente para soluções a curto prazo de problemas superficiais.
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Não devemos perder a esperança de que a situação pode melhorar. Mas para que a internet passasse a ser usada para desenvolver novos valores e relações humanas, seria preciso que as pessoas utilizassem interfaces mais complexas e bem diferentes dos twitters e facebooks de hoje, que não foram, aliás, criados para promover esse tipo de evolução humana. As pessoas teriam de entender algo essencial: que os diferentes ambientes virtuais que elas hoje habitam são programados por pessoas e grandes empresas na tentativa de nos encorajar a pensar e agir da maneira que elas querem. Só que, para terem consciência disso, elas teriam de adotar a perspectiva dos programadores de computador — algo bem difícil de vir a acontecer.
Há, sem dúvida, práticas muito interessantes no mundo virtual. Veja o fenômeno dos chamados crowd sourcing (em tradução livre, seria uma forma de trabalho coletivo via internet com o intuito de criar algo a partir da contribuição de várias fontes). Muitas áreas e produtos foram aperfeiçoados porque pessoas trabalharam juntas em grandes grupos virtuais. O problema é que muitas delas não se dão conta de que estão a serviço de grandes companhias, só que sem ganhar um tostão. Até agora, a prática de criar códigos abertos e repartir informações online levou à criação de, basicamente, imitações: Linux é cópia do Unix, o Firefox é apenas um tipo de browser e a Wikipedia não passa de uma enciclopédia. Eu ainda estou para ver se esses trabalhos de criação coletiva têm mesmo condição de produzir algo que grupos bem pagos para isso não podem.
Quando pensamos em negócios, o cenário não é muito diferente. A internet certamente mudou a maneira como os negócios são feitos. Foi exatamente por isso, diga-se, que tivemos uma crise financeira tão acentuada. Graças à web, as pessoas hoje podem fazer transações diretamente e podem começar suas empresas sem precisar pegar tanto dinheiro emprestado no banco. É relativamente barato abrir um negócio próprio usando apenas um laptop. No mundo virtual, o capital necessário para iniciar um comércio é hoje praticamente irrelevante. A internet, no entanto, não conseguiu nos livrar daquilo que procuram os grandes grupos, que é vender o máximo possível. E assim os donos das grandes firmas — e o restante dos nós, usuários — prosseguimos dando as costas para o incrível potencial transformador da web.
Douglas Rushkoff é escritor e professor de estudos de mídia da Universidade New School, nos EUA(extraído de http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI135078-17774,00.html)